Passei num sebo hoje para ver se encontrava alguma Estrela da Vida
inteira, do Bandeira, para substituir a minha combalida e despetalada edição.
Para minha surpresa, achei duas versões: uma com aquela introdução do Antônio
Candido e a outra, dita “para estudantes”, que traz “só” os livros todos do
poeta humilde.
Dada a dificuldade que os alunos do segundo ano estão tendo para
encontrar o Libertinagem (obra de leitura obrigatória deles), ocorreu-me
comprar as duas Estrelas para poder oferecer uma delas para alguém. Mas como
escolher o afortunado? Qual critério utilizar?
Cheguei à conclusão de que o melhor a fazer para garantir que o livro
caia em boas mãos é promover um embate entre vocês, leitores! Embate este em
que não escorra sangue nem voem dentes, e sim flua a sensibilidade e flutuem
rimas e ritmos dissolutos!
Darei a edição do estudante para quem fizer a melhor análise do poema
“Mozart no Céu”, do livro Lira dos Cinquent’Anos (transcrito a seguir). Para a
segunda melhor análise, estou disposto a dar minha antiga edição, que, apesar
de cansada, ainda pode encher de poesia um jovem coração.
As regras são as seguintes: podem participar todos os alunos e
ex-alunos do Mater; a análise deve ser original, ou seja, se você se basear em
alguma outra análise, cite a fonte ou será desclassificado; serão consideradas
as análises publicadas como comentário para este post até o dia 28 de setembro.
Se ninguém se inscrever neste grandioso concurso cultural (hipótese que,
infelizmente, devo cogitar), fica desde já informado que os livros serão doados
aos alunos do 2º ano que conseguirem as duas melhores notas na prova de obras
do terceiro trimestre.
O poema é o seguinte
Mozart no Céu
No dia 5 de dezembro de 1791 Wolfgang Amadeus Mozart
[entrou no céu,
como um artista
[de circo, fazendo piruetas extraordinárias
[sobre um mirabolante
cavalo branco.
Os anjinhos atônitos diziam: Que foi? Que não foi?
Melodias jamais ouvidas voavam nas linhas suplementares [superiores da pauta.
E desde então Wolfgang Amadeus Mozart foi o mais moço dos anjos.
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Bom trabalho a todos!
Abraços!
Bechara
Embora não haja uma regularidade na métrica, aí vai a minha resposta:
ResponderExcluirMozart, Amadeus Mozart.
Grande e querido Wolferl.
Amante da música, perito na arte
que, sob os céus vienenses pereceu.
Por que entras no céu como artista,
por que dá tu extraordinárias piruetas?
Tantas perguntas faço-te, brilhante violinista,
Entraste no céu ao som das trombetas?
Quem respondeu às minhas indagações
Foi o pintor Georges Seurat.
Equivocadas podem estar minhas afirmações
Mas isso não me impede de tentar
Na tela "The Circus", um cavalo branco.
Sobre ele, uma acrobata amarela.
No primeiro plano, um saltimbanco
Não fosse o pontilhismo, daria uma ótima aquarela!
"Melodias jamais ouvidas
em linhas suplementares":
Notas demasiado agudas
para ouvidos vulgares
A Virgem Maria recebeu-o no céu
com um beijo na testa
Não como um simples menestrel,
Mas um homem a quem foi realizada uma grande festa
Pena ter ido-se tão cedo...
Por isso, "o mais moço dos anjos"
que, por inveja, foi morto com veneno
e, para Deus, levou seus arranjos
Análise do poema “Mozart no céu”, de Manuel Bandeira
ResponderExcluirPor Mateus Lima Veras, com o apoio de Nádia Rocha Gonfiantini, professora do Anglo Vestibulares.
Em 1940, Manuel Bandeira publicou “A Lira dos Cinqu
nt’anos” e, nesse livro, o poema “Mozart no céu”, cuja análise aqui se apresenta. Para tanto, divido o poema em duas partes: o primeiro verso integra o que chamo de “prefácio”, com um único verso bárbaro, retratando a morte de Mozart e sua chegada triunfante no paraíso – tão triunfante quanto o maior verso de todo o poema -, e uma segunda parte com as duas outras estrofes. Nessa divisão, os cinco versos de “desenvolvimento” mimetizam um pentagrama musical, tendo o “prefácio” como a “linha suplementar superior da pauta”, tratando, essencialmete, do composior austríaco.
Com a morte de Mozart, Bandeira apresenta uma concepção de “transcendência” e da morte como sinônimo de libertação. Sabe-se que o poeta era tuberculoso e, portanto, privava-se de alguma liberdade por motivos de saúde (observar o poema “Pneumotórax” - http://www.revista.agulha.nom.br/manuelbandeira02.html#pneumotorax). Mozart, de conhecida vida atribulada – morreu miséria mesmo obtido sucesso em vida – poderia, enfim, desfrutar dos gozos do paraíso fora de principios ético-moral ou das noções de pecado. Tem-se, pois, as oposições de morte x vida; liberdade x impotência.
Ainda nessa primeira parte, “Mozart no céu” dialoga com outro poema de Bandeira, “Irene no céu” (http://www.revista.agulha.nom.br/manuelbandeira02.html#irene), ainda que em circunstancias diferentes. Irene, mulher, negra, entra no paraíso pedindo permissão a São Pedro; Mozart, sentado num cavalo branco, numa posiçãoà Napoleão.
Quando ao restante do poema, a segunda estrofe apresenta o deslumbre causado no céu pela chegada de Mozart ao paraiso. O compositor entra como se irradiasse música de si, sugerindo uma sinestia com os sentidos da visão – irradia luz – e audicão – os anjos ouvem a melodia que Mozart tráz. Não obstante, a ideia de as “melodias jamais ouvidas” voarem, sugere ainda certa liberdade criativa.
Quanto aos três ultimos versos, importante ressaltar a recepção feita pela Virgem ao compositor – diferente de Irene, recebida por São Pedro, aquele que “guarda” as chaves do céu, evidenciando ainda mais que sua entrada foi “permitida”.
Ao final, Bandeira caracteriza Mozart como “o mais moço dos anjos”. O termo “moço”, à luz do contexto, pode assumir dois sentidos: um primeiro diz respeito à sua recém-chegada (“o mais moço” igual a “o mais novo” anjo); um segundo, à relação de juventude com liberdade, de tal forma a evidenciar o mote da transcedência como uma oportunidade de libertar-se dos impecilhos aos quais tanto o poeta como o músico sofriam (Mozart, a moralidade em relação a seu carater tido como "irresponsável"; Bandeira, a tuberculose).
Quase um mês depois do combinado... vamos aos ganhadores!
ResponderExcluirE, Deus louvado, tivemos pelo menos duas inscrições, o que dá conta das duas edições de prêmio.
Embora tenha sido uma estratégia bastante interessante a de fazer uma análise em versos, cheia de referências intertextuais (parabéns, dona Yip!), a abordagem que melhor revelou os significados do poema de Bandeira foi a do sr. Mateus (parabéns ao senhor, também! Fico contente de poder presenteá-lo, mesmo não sendo mais aluno do colégio! Sinal de que a poesia ainda vive em seu coração! - não deixe que a tirem daí, certo?).
Entregarei amanhã minha antiga edição à Yip e peço ao Mateus que venha nos fazer uma visita para que eu possa lhe entregar sua edição de estudante (só me avise um dia antes para que eu lembre de trazê-la para a escola).
Abraços! E obrigado por entrarem na brincadeira!